.o silêncio dos outros #(12)
.o meu silêncio, dentro do vosso silêncio, o silêncio o vosso, feito do meu silêncio, feito do vosso silêncio, o nosso silêncio, o mundo do silêncio, o silêncio do mundo.
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- lugar ao acaso de palavras que não aconteceram e de 'átomos ardentes de imperecível pensamento'-
.o meu silêncio, dentro do vosso silêncio, o silêncio o vosso, feito do meu silêncio, feito do vosso silêncio, o nosso silêncio, o mundo do silêncio, o silêncio do mundo.
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Dentro do coração grande: vive o coração pequenino.
Dentro do coração pequenino: vive uma árvore, um arco-íris e um rio.
Dentro dessa árvore, desse arco-íris e desse rio, vivem outras coisas.
Dentro da sombra da árvore: vive o pássaro cantor.
Dentro do arco-íris: vivo eu, a bailarina invisível.
Dentro do rio: vive um brilho-dourado.
E dentro do brilho dourado: vive o peixinho.
E dentro do peixinho: vive a floresta.
E dentro da floresta: vive a música.
E dentro da música: vive o silêncio.
E dentro do silêncio: vivem todas as coisas.
E nesse preciso momento apareceu o coração grande e disse:
O silêncio contém todas as coisas.
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descobri que as palavras falam umas com as outras, e o que fazem através de todas as páginas 13 de todos os livros do mundo. assim, todas as páginas 13 conversam umas com as outras e são sobre a discussão maior que as palavras têm entre elas e com a qual não temos nós nada a ver com isso, como se uma outra forma de dizer fosse a de dizer o que palavras não nos dizem porque só lhes diz respeito a elas. descubro que o silêncio entre elas é um diálogo entre os livros todos do mundo e que para sabermos o que dizem teríamos que os ler a todos e mais ainda os que hão-de ser escritos. fiquei contente com o que descobri porque me agrada saber que não podemos saber tudo sobre elas como assim não queremos que elas saibam tudo sobre nós. não que se vinguem, que não é essa a língua que falam, mas a sua natureza é a de respeitar que se falem todas umas com as outras sem que saibamos nós que isso se passa. é a forma que têm de nos manter ignorantes sobre elas e assim as respeitarmos também, respeitando assim elas a nossa natureza, mesmo sabendo agora que a cada página 13 que lemos, estamos quase nunca a saber como elas falam umas com as outras e que já é uma forma de saber mais qualquer coisa sobre elas.*
* Texto originalmente publicado em Oficina de Poesia. revista da palavra e da imagem, nº12.
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a pessoa que é a pessoa do que nestas palavras são as outras.
desvelas. consideras. a oligopsiquia. e é como se não sobrasse nada. como se os objectos contidos pronunciassem de uma boca só o que resta em que sejas. improvisas-te e geras-te. geras-te e improvisas-te. digo-te, o soluço antes de morreres é a distância que de ti provocas para que sejas o mundo em que de ti sejas. sejas o que és. entranhadamente sejas. próvido vigiador.
*. de estenógrafo ou errar
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Um companheiro para o diálogo interior
[...]
cheios de vasilhas esperando a chuva
parados à espera
de um companheiro possível para o diálogo interior
[...]
Daniel Faria
Por Ana Salomé
Eu quero alguém que compreenda o meu silêncio, assim como quero compreender o seu silêncio. Alguém com quem seja possível passear junto do mar, dentro de uma floresta, pelas ruas de qualquer cidade de mãos dadas, convertidos em caminho, e não nos sintamos menos próximos ou incomodados se não falarmos. Economizemos as palavras, mas aproximemo-nos igualmente dialogantes. Nunca nos falte a compreensão, ainda que absurda, do sabor do pão na boca de uma criança que passe, pois bastará que ambos olhemos para o pão e para a criança e logo nos recordaremos do tempo em que éramos nós que fazíamos essa ligação entre sujeito e substância. A memória rebentará com um estrépito de sabor e criança que passe, será criança que nos levará o pão à boca. Recebemo-lo em silêncio para nos encostarmos ao mar do sangue um do outro. Ficaremos pesados, marmóreos, exactos. Mãos e pés crescerão assentes na planura da luz. Os dedos, ao sentirem-se movidos, impelidos pela paixão, que sejam ondas, que sejam uma rebentação alongando-se. Os ossos dele moldarão os meus e chegará a altura em que qualquer palavra vem somente para calcinar a mudez da alvenaria. Há muito tempo que teremos deixado de falar num certo sentido. As palavras transformar-se-ão de novo nos seus referentes. Mar será o mar, floresta será a floresta, cidade será a cidade por onde passamos. Satisfazer-nos-emos com a modelação do nosso pensamento mágico. Viveremos com uma gota de sangue sempre a cabecear no sono da língua. Para além dos ossos, ele tomará também o meu corpo na sua lisura e pintará nele tudo o que imagina ter visto nos sonhos que se proliferam cá dentro de nós. Porque eu quero alguém que me execute com bondade e com beleza. Alguém que compreenda esta necessidade de silêncio, que lhe reconheça a face como se se olhasse na superfície espelhada do seu próprio indizível.
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«no seu silêncio. Reteve: violência.»
e.d.
«Antes não existia o tempo. Desde que o tempo começou que estou aqui, desde sempre e para além da minha própria morte», obrigado a coexistir. Simone de Beauvoir chamou-lhe, à coexistência, a «maldição original», em O Sangue dos Outros. Em .o silêncio dos outros é da maldição de sermos obrigados a falar por tudo e por nada que se trata, e do modo de ser do falar sobre o que se diz no que já está dito, do que não se diz, da evidência, do acto, da alogia. é do silêncio de morte que se trata.
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o império. império de matéria ao sol e à lua, quando faz o dia e depois a noite. império e o excesso das coisas, as coisas todas, e as multidões a colidir repetindo-se e reproduzindo-se. a fantasia esquivando-se. os afectos fazendo a ligação entre eles que são só e vagueiam, e nunca a ficção desses caminhos como um só. o dia. só depois a realidade e os vidros partidos, os pés nesse caminho nenhum sem dor, a multidão. a noite. a dor outra vez da multidão. gentes quase multidão de pessoas que se misturam depois com o tempo. dele o sigilo. a madrugada. insuficiente a dor no estado original, os primórdios do silêncio inquieto e em forma de grito. a simulação da multidão na madrugada, ávida por se ansiar de uma outra, gente cheia de luz, cabisbaixa no deserto a adiantar-se no instante como objectos a ocupar clandestinamente o tempo, o tempo quase fausto, quase feliz, ou o que não acontece, ou o prodígio do tempo presente. voltam-se as faces e somem-se os corpos misturados com a vaga abstracção do vazio entre eles, a multidão. a manhã. estes e aqueles, entre a revelação da imprevista cumplicidade, a nudez. o silêncio dentro de tudo entre os corpos. o desafio. a missão, todos e o exercício final de uma ode acidental, ou o limite. o entretanto, nem manhã, nem noite, nem madrugada, e todos depois, excluídos. a luz da manhã, as formas misturando-se e o diálogo. a procedência, o princípio aleatório. a dúvida permanente do fundamento. o império.*
*.texto originalmente publicado em Oficina de Poesia - Revista da Palavra e da Imagem, nº11.
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