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quarta-feira, janeiro 28, 2009

amor


sem nenhum amor já, nem o dia nem a noite, nem a proporção das coisas que é a do universo


amor. nem a tua dor. escavamos dentro da terra para que tenhas um corpo, um corpo que tem um sítio onde tem de estar para ser corpo. que os teus olhos vejam para onde vais e onde estarás até que as mãos te descubram e cubram novamente para que não fiques a descoberto ao vento. *


* - às vítimas do Holocausto.

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segunda-feira, janeiro 26, 2009

Onde estamos quando estamos no mundo?



Quando falamos na presença do ser humano no Mundo, no sentido heideggeriano do termo, falaremos numa espécie de Ser-aí, o “Dasein”, como manifestação finita e desperta da cena primordial ontológica. Falaremos, no fundo, em quem habita o cosmos, ou, por outro lado, nele tenta habitar. Quando falamos em ser humano, hoje, em plena era das culturas avançadas, falaremos, no entanto, em quem apenas talvez habite o cosmos. Porque sem nele saber habitar, o ser humano desenvolveu para com a sua casa uma dolorosa e asfixiante relação de alheamento e dissensão. Em O Estranhamento do Mundo, Peter Sloterdijk lança um olhar permanente de efectiva constatação desse alheamento, forma específica de “estranhamento” portanto, da parte do ser humano relativamente ao Mundo, ao mesmo tempo que desenvolve uma igualmente efectiva explanação de uma teoria, leitura do mesmo, que se propõe como estranha porque nova, divergente e transgressora relativamente a outras leituras até então operadas. O ensaio assinado por Peter Sloterdijk, filósofo alemão também autor do polémico Regras para o Parque Humano e Crítica da Razão Cínica, obra que internacionalizou o seu pensamento, mais não é, no fundo, do que uma tentativa de lançamento de novos fundamentos que têm como objectivo, por um lado, emancipar o ser humano dessa encarcerada ausência como estado latente que o caracteriza na era pós-moderna, e por outro, desafiar a inteligência global, radicalizando-a naquilo que o autor considera ser o verdadeiro “realismo da espécie”, e que será tão somente o “não esperar da inteligência menos do que se exige dela” (p.220).
Esta espécie de leitura sempre em contratempo, cuja argumentação dialoga em simultâneo com o presente, o passado e o futuro, acabará assim por ser reveladora de um interesse pelo Mundo enquanto Mundo, objecto para além do ser humano, e pelos respectivos “ritmos e forças do nascimento e declínio do mundo em que os homens acontecem” (p.14). Pelo que a concepção neste ensaio preconizada será também, e afinal, uma teoria do próprio Mundo sem o ser humano que, não existindo sem ele, se impõe como tentativa de gerar a compreensão do ausente. Diz o autor: “a vigília na luz eterna anula o alerta que, nos tempos da velha terra, obriga a fechar os portões à noite e a ocupar as muralhas” (p.214). Nesse sentido, a ausência será portanto esse estado no qual o ser humano se distancia e se supera a si próprio na compreensão que faz de si e do que habita, perspectiva que derivará assim também da sua constatação enquanto sujeito que se define na dualidade dinâmica do permanente “ido e vindo”.
Nesta tentativa de legibilidade do sujeito contemporâneo à procura do seu lugar no Mundo, o autor discorre progressivamente, no sentido do esclarecimento maior, acerca de um conjunto de axiomas que ele considera estruturadores nesse processo de revelação da matriz do “Homem” como este é pensado e de como, à luz de uma nova teoria, ele deve, nesta perspectiva, ser pensado. Começar-se-á assim, em “Porque é que isto me acontece a mim?”, primeiro capítulo do ensaio, por um enquadramento que se faz a partir de conjecturas diversas que caracterizam o sujeito enquanto animal colonizador da “terra firme do Eu” (p.20). Neste sentido, o ser humano será o herói que contra-ataca o mundo hostil de forma errante ou, por outro lado, o anti-herói determinado. Este pode ainda, além disso, ser caracterizado enquanto animal sem saída, autóctone, obcecado pelos conceitos de genealogia, parentesco e prosperidade (pp.34-36) que, sob o fenómeno da globalização, a partir de 1942, abandonará esse mesmo princípio a favor daquilo que Sloterdijk sintetiza como o “’Dasein’ de uma humanidade conectada horizontalmente numa sincronia realizada à escala planetária” (p.20). De animal sem saída, o ser humano terá evoluído então para uma “nova forma de consciência temporal interior” (p.36) que se projecta e expande na busca pelo futuro.
Este será assim um sujeito endurecido porque obrigatoriamente remetido ao ajuste a um Mundo sem perspectivas nem mais fronteiras por transpor, num Ser-aí cercado que se traduz numa fuga da paciência e da contenção ou auto-controlo, estados que caracterizam as civilizações avançadas. A isto acresce, portanto, uma forma de resistência que desembocará inevitavelmente numa saturação do sujeito em torno de si mesmo, isto é, no individualismo, aqui definido pelo autor enquanto “elaboração activa de resistência básica” (p.40), e numa mística como forma de fuga para fora do tempo. Desta evidência decorrerá invariavelmente o paradoxo do ido em excesso, da suprema ausência do Mundo pois que o ser humano será agora, segundo o autor, o ser que não mais “pode viver com a verdade nem sem ela” (p.51). 
A partir da análise destes princípios que estão na base da decifração do sujeito enquanto ser em fuga, o autor ensaiará, no segundo capítulo do ensaio e numa perspectiva antropológica, uma tentativa de intensa compreensão da fuga do Mundo em si, partindo de uma constatação do mesmo enquanto permanente “metoikoi de raiz”, que o mesmo é dizer, “animal determinado a estar em mudança” (p.54). A metoikesis será assim o mecanismo de transição no processo trifásico do modo de ser da alma em pré-existência, existência e pós-existência; processo, portanto, detonador da evolução da íntima mobilidade humana.
Nesta medida, a História poderá ser entendida enquanto “drama que se desenrola no enorme combate pelo verdadeiro local e o verdadeiro elemento da vida humana” (p.56), e o anacoretismo e o monasticismo do séc. IV d.C. e de por aí adiante, “motes de renúncia aberta à normalidade cósmica” (p.55). A busca pelo “princípio-deserto”, definida por Sloterdijk enquanto instituição metafórica, consiste assim numa metoikesis de extenso alcance uma vez que se traduz numa transição para o lugar da sombra, sítio de extinção da presença humana no Mundo que se auto-anula e se desresponsabiliza do acto de interpretar e, portanto, mudar esse mesmo Mundo. No outro lugar, à sombra de si própria, a civilização ocidental, em plena era “em que o mundo é tudo o que se pode dar ao caso” (p.67), protagonizará a metoikesis a partir da música. Na era da pós-metafísica, as forças orientadas para a mudança analisam-se a assim partir da história cultural da Humanidade e, mais concretamente, da música, aqui entendida como fuga entre o fluido e o morto para o sujeito que não é nem completamente monge nem completamente mundano. É assim que “o ataque do som artificial aos ruídos exteriores do mundo atingiu neste século uma intensidade sem par em toda a história da espécie” (p.72).
Perante a fuga como necessidade instituída no “Homem” pela metoikesis, no capítulo “Drogas para quê? Da dialéctica da fuga e da dependência do mundo”, o terceiro da obra, o autor analisa outras formas de fuga à luz de uma nova perspectiva que não reduz a fuga à alienação consumada enquanto ausência voluntária e inconsequente. Sloterdijk partirá do exemplo das drogas, referindo no entanto também outras dependências difusas e não narcóticas, para questionar exaustivamente o axioma que associa a droga à dependência. Na origem desta articulação que funciona em bloco porque teima em não se desarticular, o autor relembra que estão três factores: o emudecimento dos deuses, a desritualização do domínio e a formação explícita da vontade de não-ser (ver pp. 85-90). A conjugação destes factores será a razão de uma asfixia global que deposita o ser humano num “mundo neutro, prosaico, aberto e, por último, sem sentido” (p.86). Institui-se por isso e assim a maior de todas as subversões e que se baseia no princípio legitimador de uma preferência por uma morte verdadeira a uma vida falsa. Desta forma se procede à explanação de um conceito religioso-filosófico de dependência, ao mesmo tempo que se analisa a presença do ser humano no Mundo à mercê de um abismo que se crê ser o único espaço possível de partilha entre os seres. Esta constatação entretece, entretanto, a necessidade que se impõe como obrigatória da descoberta de uma nova forma de partilha do embaraço do ser a partir do Ser-aí simultâneo, isto é, uma partilha que não parta nunca da negação do Mundo.
Outro aspecto por isso permanente da fuga será, para o autor, quando radicalizada no seu limite, a própria morte. Reflectir acerca da “pulsão da morte”, que ocupará o quarto capítulo do ensaio, significará decompor in extremis as finalidades da própria alma, sendo que a morte ela mesma representará para ela, para a alma, o encontro com o seu fundamento primordial. Assim entendida, a morte funcionará como “metáfora da perfeição consumada e da última morada do destino” (p.114). Desta forma, e no contexto de uma nova teoria moderna do “Homem”, o estado último deverá ser interpretado enquanto “sintoma da urgente gravidade da aventura da inteligência através da espécie no seu conjunto” (p.127), portanto, forma de chamamento ao esclarecimento do destino comum. Na verdade, a busca pela verdade metafísica mais não será do que a exposição da “dissonância existencial em tempo histórico” (p.130), uma necessidade de saber, sendo que neste contexto assumem, para o autor, particular importância as sabedorias do Oriente enquanto “disciplinas de verdadeira vida sob a direcção de um empenho renovado pelo verdadeiro discurso” (p.130). Além do mais, na origem da emergência das grandes metafísicas estará o racionalismo imperial das grandes unidades políticas e o racionalismo libertador das psicocosmoterapias, sintomas portanto de uma racionalidade imperfeita que se traduz no desajuste entre o indivíduo e o Mundo. A busca pela verdade consumar-se-á assim numa espécie de luta gigantesca entre o “hedonismo metafísico democrático” e uma “modernidade sem iluminação” (p.135). Este gesto de apontar ao Mundo (a ausência como gesto de apontar que o mundo está ali e não aqui) traduz a afeição pelo seu enigma básico. Assim, o Mundo que aponto é o Mundo perante os olhos, logo é o Mundo que posso ou tento conhecer.
Não deixa, no entanto, de ser chamado à cena o papel que a linguagem não metafísica deve desempenhar na consumação deste processo de conhecimento do espaço habitado. À iluminação deverá assim corresponder uma teoria da ausência do Mundo (desmundanização e equilíbrio), à salvação, uma teoria do acabar (alívio de círculos viciosos) e à libertação, uma teoria da criatividade (liberação). O acosmismo, conceito que dá o nome à última parte do quinto capítulo do ensaio, ou “Será o mundo negável? Sobre o espírito da Índia e a gnosis ocidental”, aplicado ao quotidiano traduzir-se-ia assim num estado de plenitude e equilíbrio. Trata-se afinal, no fundo, a iluminação, o mais importante dos conceitos acima enunciados, de um mecanismo de defesa contra a vigília permanente e um caso específico de ausência do Mundo necessário à estabilidade do processo de conhecimento. Esta perspectiva integrada significará, além de tudo, o reconhecimento de que “todas as almas praticam, à sua maneira, a arte de estar e, ao mesmo tempo, de não estar no mundo” (p.156).
Por outro lado, a afirmação do sujeito no Mundo, processo analisado exaustivamente no sexto capítulo da obra, sustentar-se-á em múltiplos processos de ausência. Refutando a teoria da crítica da razão pura de Kant, o autor conclui que o ser humano não pode dar à sua existência um modo de constituição (porque não teve o direito, racional, de escolher se queria ou não ter nascido), o que fará jazer por terra a ideia de que os homens podem assumir racionalmente a responsabilidade da sua vida. Nestes termos, conclui-se também que a afirmação do sujeito passará necessariamente pelo conceito heideggeriano de “Homem” como ser ido ou “espontâneo desertor” (p.164). Restará portanto e somente a sua afirmação naquilo que o autor chama de “começar de novo” ou “nascimento progressivo” (p.171), num processo de anulação do substrato problemático do passado.
Desse nascimento progressivo e do processo de afirmação do lugar do sujeito no Mundo fará também parte a música, suporte através do qual o sujeito se conjuga nas duas aspirações que o caracterizam: a ida e a vinda. Quer isto dizer que, se por um lado, esta conduz à arena do Mundo, por outro, subsistirá igualmente enquanto mecanismo de supressão da dissonância que desemboca na interiorização e posterior libertação do sujeito. Portanto, à pergunta “Onde estamos quando ouvimos música?”, pergunta que dá o mote a um dos capítulos mais interessantes do ensaio em análise, o autor responderá que em lugar nenhum definível porque algures entre o ir ao encontro do Mundo ou a fugir dele. Afinal no lugar onde estamos condenados a estar. A música será assim essa espécie de condenação igual à condenação da saudade e da liberdade a que não nos importamos nunca de estar condenados.
Condenados a nascer e a estar, certo é que o verdadeiro nascimento do ser humano se dá no momento em que este se torna alegre velador do universo que o rodeia, na medida em que “O mundo é agora tudo de que já não fugimos” (p.194). Perante a estabilidade da matéria, conhecemos as coisas. E este co-saber humano das coisas e da sua quintessência mais não será do que o conhecimento do Mundo. Em “Como tocamos no sono do mundo? Conjecturas sobre o despertar”, último capítulo do ensaio, e a partir da análise das primitivas interpretações culturalmente avançadas do ser-no-mundo feitas por povos produtores de História, cuja herança se demora no devir civilizacional até aos nossos dias, Sloterdijk instituirá a vigilância enquanto acto de obrigatória adesão ao colectivo, válida na medida em que o velar se transforma depois em saber e respeito pela liberdade; como nexo moral entre os homens de um mesmo reino, portanto promotora do espírito solidário que emancipa os homens da violência; e ainda vigília enquanto tensão apocalíptica com base numa “fórmula teológica admonitória contra o descuido da atenção na multidão e as mortais quebras das promessas de vida comum” (p.208). Admite, no entanto, a insuficiência destes modelos historicamente esgotados perante a situação global do presente, lançando por isso o alerta para a urgência de uma contemplação de um estado de vigília de alcance planetário que institua “um novo corpo de axiomas do saber viver” (p.212). Chama ainda a atenção para o facto do estado de vigília em permanência se transformar em “triunfal integridade” (p.213) que nada terá a ver com o Mundo propriamente dito já que a luz neste estado de suprema existência tirará a noite à vida e o nada ao ser. Em boa verdade, será na pausa do Mundo que o ser humano encontra o consenso consigo mesmo porque é a ausência que o faz perceber a presença desse Mundo que procura habitar. A totalidade será assim, e sempre, feita da intermitência entre o aparecimento e o desaparecimento. Entre uma coisa e outra, seremos o ser vigilante que ora olha e conhece o Mundo, ora lhe fecha os olhos e o conhece ainda mais.
Impõe-se, no entanto, agora que a co-existência planetária se tornou definitivamente inevitável perante o drama da “terra-única” (p.217) e da primeira verdadeira crise da Humanidade que é a crise ecológica, uma nova ordem de vigilância que nos torne agentes efectivos do destino comum. Apesar da terra-mãe ser, segundo o filósofo alemão, “portadora de uma complexidade ainda não susceptível de ser pensada a fundo” (p.219), certo é que é ela quem transporta consigo todo o peso do nosso cansado desgaste enquanto agentes da vigília e que é para ela e para mais lugar nenhum que olhamos quando vamos e vimos desse e para esse Mundo. Será também ela sempre o objecto da nossa vigília intermitente, sendo por isso tempo de activar um novo ciclo de inteligência, uma nova antropologia que permita “crescer e despertar mediante o êxodo para formas universais transclássicas” (p.219). Segundo o autor de O Estranhamento do Mundo, talvez seja este o primeiro passo, a explicar: através de uma nova teoria do Ser Humano, saber definitivamente que é para ela, a Terra, o Mundo, que sempre caminharemos.

Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo, trad. Ana Nolasco, Lisboa: Relógio de Água, 2008, 220 pp. [ISBN: 978-972-708-971-0]

Publicado na Revista Sibila - Poesia e Cultura [2009]. [http://www.sibila.com.br/]


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terça-feira, janeiro 20, 2009

segunda-feira, janeiro 12, 2009

'scars and glasses'*

t.

já não digo mais nada que não tenho mais nada para dizer hoje. o tempo que é aqui já em suspenso, tempo parado onde não digo mais nada. e todas as palavras que direi a seguir não serão as de hoje jamais nunca que assim não são as minhas porque não as tenho em mais nada do que quero dizer. já não digo mais nada, digo. digo. e digo outra vez quando estou a dizer para que saibam que não quero dizer porque é preciso dizer que não dizemos para nos entenderem e saberem que não estamos de facto a querer dizer. porque não interessa porquê porque fazemos as coisas se elas nos são pesadas de matar e não as suportamos dizer e não temos as palavras de as conseguir dizer e não me exijam mais do que isso, as palavras que posso dizer. e as que digo não digo hoje mais, não as posso dizer. que se digam elas a si que sabem como se dizer e o que dizer.

*- a.



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domingo, janeiro 11, 2009

C.C.

.as palavras morreram antes de ter nascido.

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terça-feira, janeiro 06, 2009

diálogo do que as palavras disseram entre elas

criança a olhar para as palavras quando elas estavam a falar que são as únicas dotadas com capacidade para as ver e ouvir ao mesmo tempo


diálogo que ensurdece das palavras que estão a conversar umas com as outras:


se uma circunstância é a nossa, é nossa a circunstância o que nos tem. podemos ter entre a circunstâncias as diversas que nos ligam umas às outras e no que somos o significado para as outras, mas somos o que está verdadeiramente na circunstância. a mais do que isso, somos também. e no que nos têm as pessoas, que julgam que podem de nós mais do que nós delas, não temos outra coisa se não nos termos a nós, só. e entre as pessoas quando elas não falam e julgam que estão em silêncio umas entre as outras e é onde nós estamos a fazer com que as pessoas estejam umas para as outras. e nós umas com as outras a construir significação e muros de entre todas nós selvagens quando nos atravessamos no lugar umas das outras a querer dizer umas mais que as outras quando temos um lugar para cada. sim, que o mundo é grande o suficiente para nele cabermos todas quantas somos. somos muitas e hão-de nascer as muitas mais sem que morramos antes entretanto umas e as outras porque precisamos umas mais das outras e sempre mais e mais que estejamos para que o silêncio possa por fim fazer sentido no que então de depois de tudo termos dito, não dizemos.


que não. não cabiam todas, disseram umas. meteram as palavras o tempo ao barulho e as palavras pediram ao tempo para que este parasse e lhes desse tempo, para por fim se escutarem umas às outras que falavam todas ao mesmo tempo e não se entendiam. o tempo respondeu que não, não podia parar, que não tinha tempo para isso, que um dia iria ter mas que entretanto tinham as palavras que esperar no lugar delas para que então chegasse o dia em que isso pudesse acontecer. então palavras houve que aceitaram o que disse o tempo e que ficaram à espera e que para sempre aí ficaram no que tiveram tempo à espera dele. mais tiveram tempo as outras para estar à espera do tempo e que houve as outras porém também mas que disseram que não tinham tempo para esperar pelo tempo. essas que são as que porventura não esperaram para ser escritas e que delas nunca mais saberemos.


e que para então serem palavras, tinham que ir. e que fossem, que ficamos nós sempre a substituir no lugar de vocês porque tem alguém que ficar para que possam as pessoas continuar a falar mesmo que não digam nada entre elas e estão assim entretidas à espera elas também de vocês que nunca hão-de vir mas faz de conta, impossível viverem as pessoas sem essa esperança, porque quem não espera pelo tempo, não espera nada que é o mesmo que não ter nascido nem nunca ir morrer, disseram umas às outras as que ficaram para as que não ficaram.


foi a última coisa que se disse entre elas. na minha frente que disseram isto onde eu não estou porque não estou à espera dessas outras que se foram embora e que nunca hão-de voltar.


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