A Popular Music (excerto)
"A popular music é portanto uma dessas subculturas que surgem associadas a esses movimentos juvenis. Foi desde o nascimento do rock’n’roll nos Estados Unidos nos anos 50, embora de uma forma menos organizada e institucionalizada, uma etiqueta dessa criatividade emancipadora que caracteriza o tipo de movimentos dos quais temos vindo a falar. Mas afinal a que é que nos referimos quando falamos de pop music? O conceito de música pop é muito controverso: há quem a defina como veículo da cultura de massas, altamente estandardizada e associada a um tipo de criatividade zero (ADORNO, cit. CONNELL et GIBSON, 2003, pág. 4); há ainda outros que associam este tipo de cultura às vendas, ao lucro e às multidões. Preferimos, no entanto, a definição de Grossberg: “ it has to be seen as a sphere in which people struggled over reality and their place in it, a sphere in which people are continuously working with and within already existing relations of power, to make sense of and improve their lives.” (GROSSBERG, IBIDEM, pág.5). É assim, no dizer deste autor com o qual concordamos, mais uma das manifestações do tal trabalho simbólico de que nos falava Willis: ao alcance de todos e imbuída de um propósito que tem que ver com a atribuição de sentidos aos símbolos e às práticas e que funciona como elo vital nas relações humanas e sociais.
Já Roy Shuker rende-se às evidências históricas e sociais e afirma: a música pop é uma insígnia dos movimentos subculturais, um dos elementos que mais contribui para a sua distinção no seio de uma sociedade parca em amplexos culturalmente distintivos. Adianta o mesmo que a sociologia das culturas juvenis considera que existe uma estreita relação de determinação entre aquilo a que Carlos Barros chama juventude “militante” (BARROS, 2000, pág. 33), e a música pop: “that youth subcultures appropriate and innovate musical forms and styles as a basis for their identity, and, in so doing, assert a countercultural politics.” (SHUKER, 2003, pág.206). Aprofundemos a questão.
As subculturas podem ser definidas, no dizer de Shuker citando Brake, como “meaning systems, modes of expression or life styles developed by groups in subordinate structural positions in response to dominant meaning systems, and which reflect their attempt to solve structural contradictions rising from the wider societal context” (BRAKE, IBIDEM, pág.206). No fundo, são formas de colocar aos olhos de todos valores alternativos a uma sociedade cultural e ideologicamente asfixiada. No fundo tudo não passa de gestos de afirmação, rebelião, hedonismo e divertimento que pretendem construir uma identidade que os arraste definitivamente para fora do âmbito da vergonhosa sociedade mainstream. Mas não esqueçamos nunca que para além desta urgência emancipatória, subsiste sempre a tal necessidade vital de criação, de produção de significado, e é aqui que a música assume um papel determinante como uma das formas privilegiadas nessa lavra criativa.
A popular music traduz-se numa declaração da intervenção humana, num pôr em causa a homogeneidade cultural, num resistir simbolicamente (e não só) à ordem social estabelecida, num “negociar” da hegemonia ideológica. Traduz-se, no fundo, numa contestação real e subversiva (CONNELL et GIBSON, 2003, pág.272), porque disponibiliza formas de integração social, plataformas que asseguram a expressão das vozes marginalizadas, confessando alianças globais e transferências culturais, tal como Grossberg defendera. E tudo isto através do seu potencial simbólico, estético e artístico.
É por isto, pelos seus propósitos simbólicos e activistas, que os movimentos juvenis recorrem tanto à pop music: porque nela encontram fraternidade suficiente para mudar o mundo."*
*- extracto de um estudo intitulado O Punk da Década de 70 e Outras Coisas Importantes, Sandra Dias