o silêncio branco das manhãs
diante do branco não dizemos nada
o silêncio está em branco. escrevo: o diálogo dos pássaros condenados de não saberem voar tem o silêncio por dentro. escrevo: estou a escrever por dentro do silêncio para que os pássaros condenados não me ouçam. estou a escrever: doem-me as mãos de os pássaros não saberem voar. escrevo para as mãos não me doerem: o mundo está perplexo à minha volta ante os pássaros parados. escrevo. escrevo outra vez. este aqui é o momento em que estou a escrever. os pássaros demoram-se horas, e as horas demoram-se mais outra vez por causa dos pássaros. as horas enquanto eu escrevo, estão as horas a passar, enquanto eu escrevo, e das horas ficam os segundos infinitos, cheios de pássaros em silêncio toda a manhã. eu escrevo: os pássaros toda a manhã estão em diálogo porque não se podem ir embora, e falam uns com os outros. o silêncio está entre eles no diálogo entre os pássaros de umas manhãs para as outras. os que ficam condenados são os que dizem: estamos a cegar de não termos para onde ir. vemos sempre o mesmo. os outros, das outras manhãs, nós também, vemos sempre o mesmo, e o mesmo é sempre o mesmo mundo. tu dizes, em silêncio tu dizes: escreve. escrevo: estou a ensurdecer de tanto silêncio dos pássaros parados que não têm para onde ir. e estou a cegar também porque tenho os olhos cheios de branco que é a cor que o silêncio faz ante os pássaros parados. e os ouvidos cheios de silêncio. dizes, escrevo: é mais manhã ainda agora que o silêncio é o que tenho. e tu não dizes nada porque é o silêncio o que tenho. e tenho os papéis em branco dentro dos dedos cheios que eu tenho e estou a ouvir os pássaros a dialogar. estou a ensurdecer dos pássaros condenados a dialogar. estou a ensurdecer também de tu não dizeres nada. as manhãs estão inteiras cheias de pássaros a dialogar. o silêncio está em branco de eu não escrever nele. tu não dizes nada e o silêncio está em branco. escrevo: os pássaros não voam de estarem condenados ao silêncio em branco quando não têm para onde ir. escrevo: as manhãs estão brancas de tanto silêncio em branco quando tu não falas e eu escrevo.
Originalmente publicado em Micróbio.
Etiquetas: da génese
4 Comments:
Assim como muitas palavras nada dizem senão o vazio que não se escreve, e assim como muitas coisas ficam ainda por dizer sem palavras que as possam traduzir, há também silêncios que dizem muito e mais do que os nossos olhos ou a nossa boca ou a nessa pele queiram dizer...
Beijinho
R.
P.S. A partir de agora serei uma frequentadora assídua, dessas palavras...ou desses silêncios :)
Do branco todas as cores diz se, aqui talvez. abraço.
Continua a escrever silêncios no branco.
Gosto de te ler.
Julie: é nos silêncios que sempre nos revemos. E eles a nós.
Nuno: dizemos as cores todas com uma só palavra que é o branco onde ele está sempre.
Maltes: desde as mãos, olá! :) e eu gosto de os escrever, e de tirar ao branco as palavras que ele tem. Obrigada pela visita! Volta sempre.
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