poema a quatro mãos
fingíamos que as mãos nos doíam e que por isso não podiam as mãos escrever. as mãos escreviam apenas o que era dentro dos dedos e o que os dedos tinham eram nada além do corpo que desejavam todo entre os dedos. entre o desejo e a dor não sobrava nada. a fundura da noite e o frio da janela era o que somente tínhamos quando nos doíam as mãos. quando nos doíam as mãos, falávamos só. no subir da noite dizíamos as palavras que não podíamos escrever e a dor que nos fazia doer as mãos era a mesma que estava por dentro das palavras mas era ainda mais a que estava por dentro do silêncio entre as palavras que dizíamos. e as palavras que nos fugiam por causa da dor das mãos soltavam-se assim à procura do lugar delas entre uma coisa e a outra que era o antes e o depois das mãos doerem. aquele depois em que as mãos já não doíam e já podíamos escrever as palavras todas que quiséssemos sem nos magoarmos a nós nem às palavras. mas era no antes do depois que estávamos ainda, e no entretanto, desencontravam-se as palavras da dor e nós do que dizíamos. a muito custo, entre o depois e o antes do depois, as mãos escreveram.
Etiquetas: o desígnio
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