Outrora agora
O sol. As bandeiras. As vidraças.
O velho sentado, desdentado, arranca uma gargalhada doente e sorri. Lembro-me que usava uma bengala castanha, gasta, e que os cães o perseguiam como se (per)segue um deus. Tem as mãos enrugadas, e o meu cumprimento sai arrastado pela obrigação. A monotonia. As mesmas conversas.
Quando era pequena detestava que os meus pais me metessem no carro para ir a esse café. Não porque não gostava das pessoas, nem do velho, por quem, apesar de tudo, nutria um respeito insólito, mas porque a melancolia que se instalava no meu peito era tal, que nem a liberdade que tinha para correr à vontade no espaço circundante me sabia a alguma coisa. Ficava apática e impaciente, e o "quero ir para casa" tornava-se tão insistente que os meus pais acabavam por desistir. Mas nem por isso deixámos de lá ir. Às vezes, o peso dos rituais é tanto que nos deixamos emergir na nossa própria ilusão.
Hoje regressei a esse café. O velho morreu, a mulher também. Sobra uma casa, instalada na incerteza. Os filhos envelheceram, os netos quase não existem. As mesas e as cadeiras da esplanada continuam sujas, gastas, envergonhadas. A coca-cola light não lhes devolve a glória que, para mim, nunca tiveram. Em volta, o Alentejo no seu pior: a solidão que se entranha e que mata.
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