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segunda-feira, agosto 13, 2007

T. a preto e branco

Conheci Torga intensamente quando fui para Coimbra. Vi-lhe o Mondego dos cilícios e conheci de perto aquelas primeiras horas que matavam de antemão o dia obrigatório no consultório. Além disso, sempre que passava na portagem, o local desse mesmo consultório traído pela vocação de poeta, acometia-me a vibração de estar a interromper um qualquer fluxo, um qualquer olhar eternamente lançado das doentes vidraças sobre a cidade que lhe germinava a melancolia da folha vazia e o mais bruto dos desassossegos. Amei-lhe a escrita, partilhei com ele o gosto pela verdade e pela existência íntima e profunda das coisas.


Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar e não lhe digam nada.

Deixem, que vai apenas
Beber água de Sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Vem da terra de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora

Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
Uma estrela no chão.

M.T., "Santo e Senha", 1932