resenha (história de um corpo que fala)
Um homem morre e fecha-se por dentro. Não tem mais nada a dizer. No entanto, dura para sempre.
Porque traz na boca um pincel com o qual escreve palavras numa zona de esfinges profícuas e, indeciso, é tudo isto, morto. Julga-se morto.
Porque tem o coração calcificado, depositado em muros existenciais, sobrenaturais, para tentar morrer depois mais depressa e, ao mesmo tempo, continuar a viver num espasmo dissoluto até que a verdade se consuma numa só ilusão de justiça nívea.
Porque a sua imaginação não é supérflua, excessiva, prendendo-se por isso nos cabelos por duas ou três razões de peso, alcoólicas, e este homem tem-nas, um pouco esburacadas pela finura do ensejo, mas discretas e persistentes.
E ainda porque lhe sobra sempre o nada para o nada, o nada controverso e insubstituível.
“A tua existência é universal. És uma mulher como outra qualquer mas trazes o perfume de todas as mulheres misturado. E isso é importante, conseguirmos ser tanto num só corpo, numa só alma”, diz. E o corpo imagina, desintegra-se, consome-se. Sobra a respiração, o vapor, o grito, crescendo por dentro a vontade que mortifica quando desiste certo da sua certeza, certo de que viver algemado, habituado não é viver. E por isso ele próprio se mistura com as tintas, com a esquizofrenia do raciocínio e o ciclo infinito do retorno, perdendo-se por entre a rebelião, contra a contigência das formas e das homenagens impossíveis.
“É preciso ir buscar mais parafusos para encher a minha cabeça. Recuso-me pensar que tenho a certeza de um nome e que não mo deixam usar. Eu escuto com a verdade. Vejo com o sonho. Pinto com os olhos e a certeza de que vou morrer. Por isso sou livre.”
Não morrerá ainda. Agora tem manchas na cara. A infância coube dentro de uma lata pontapeada pelo preconceito e pelo caminho do artista que sobe pelas telas e se magoa no chão do mundo. Mas este corpo que não pesa jamais. E ele sabe-o, já que o sonho tem só um nome: SAMO. Deus. Ele mesmo, ali, entre todos. “E por isso agora sou eu que falo e decido das coisas, porque sou eu e só eu quem fala e põe meio mundo a escavar a compreensão com as unhas - adeus SAMO. Adeus Samo.”
Por fim, é um objecto. O corpo, ele próprio, é o objecto, e um objecto tem sempre duas faces, duas possibilidades de existir: a de dentro e a de fora. E a de fora quer agora falar. Está finalmente a falar. Quererá dizer que procura uma denúncia completa e integral do seu estado inacabado? Do nosso? Porque não morreu ainda? Porque tem dúvidas sobre quando é que deve morrer? Quem decide isso? Quem poderá decidir?
Um homem morre e abre-se por fora. Afinal disse tudo o que tinha a dizer. Ou quase tudo.
Porque traz na boca um pincel com o qual escreve palavras numa zona de esfinges profícuas e, indeciso, é tudo isto, morto. Julga-se morto.
Porque tem o coração calcificado, depositado em muros existenciais, sobrenaturais, para tentar morrer depois mais depressa e, ao mesmo tempo, continuar a viver num espasmo dissoluto até que a verdade se consuma numa só ilusão de justiça nívea.
Porque a sua imaginação não é supérflua, excessiva, prendendo-se por isso nos cabelos por duas ou três razões de peso, alcoólicas, e este homem tem-nas, um pouco esburacadas pela finura do ensejo, mas discretas e persistentes.
E ainda porque lhe sobra sempre o nada para o nada, o nada controverso e insubstituível.
“A tua existência é universal. És uma mulher como outra qualquer mas trazes o perfume de todas as mulheres misturado. E isso é importante, conseguirmos ser tanto num só corpo, numa só alma”, diz. E o corpo imagina, desintegra-se, consome-se. Sobra a respiração, o vapor, o grito, crescendo por dentro a vontade que mortifica quando desiste certo da sua certeza, certo de que viver algemado, habituado não é viver. E por isso ele próprio se mistura com as tintas, com a esquizofrenia do raciocínio e o ciclo infinito do retorno, perdendo-se por entre a rebelião, contra a contigência das formas e das homenagens impossíveis.
“É preciso ir buscar mais parafusos para encher a minha cabeça. Recuso-me pensar que tenho a certeza de um nome e que não mo deixam usar. Eu escuto com a verdade. Vejo com o sonho. Pinto com os olhos e a certeza de que vou morrer. Por isso sou livre.”
Não morrerá ainda. Agora tem manchas na cara. A infância coube dentro de uma lata pontapeada pelo preconceito e pelo caminho do artista que sobe pelas telas e se magoa no chão do mundo. Mas este corpo que não pesa jamais. E ele sabe-o, já que o sonho tem só um nome: SAMO. Deus. Ele mesmo, ali, entre todos. “E por isso agora sou eu que falo e decido das coisas, porque sou eu e só eu quem fala e põe meio mundo a escavar a compreensão com as unhas - adeus SAMO. Adeus Samo.”
Por fim, é um objecto. O corpo, ele próprio, é o objecto, e um objecto tem sempre duas faces, duas possibilidades de existir: a de dentro e a de fora. E a de fora quer agora falar. Está finalmente a falar. Quererá dizer que procura uma denúncia completa e integral do seu estado inacabado? Do nosso? Porque não morreu ainda? Porque tem dúvidas sobre quando é que deve morrer? Quem decide isso? Quem poderá decidir?
Um homem morre e abre-se por fora. Afinal disse tudo o que tinha a dizer. Ou quase tudo.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home