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quarta-feira, outubro 26, 2005

Gonçalo M. Tavares e a cidade sagrada (tributo)

Em Jerusalém, Gonçalo M. Tavares, vencedor do Prémio José Saramago, edição de 2005, confirma o estatuto que foi conquistando no imenso e diversificado espaço da produção literária portuguesa dos últimos anos. A partir das histórias individuais e da matriz genética de Kaas, Mylia, Hanna, Ernst e Theodor Busbeck, o autor constrói o enredo cuja condensação se traduz num espaço maciço de conflitos psíquicos e físicos, ideológicos e metafísicos que se estabelecem a partir de um nada formalizado na consciência da ausência de um Deus justo e pacificador. Na ausência desse Deus, a loucura e a violência, e tudo o que a isto anda associado, parecem assim sobrepor-se como pilares angulares e devoradores perante a debilidade e a fragilidade de cada ser humano, tipificado em cada uma das personagens referidas (uma criança deficiente, um médico investigador obsessivo, uma prostituta, uma mulher esquizofrénica visionária e um homem esquizofrénico suicida). Recorrendo a uma linguagem simples mas cerebral porque oportunamente burilada e elaborada e, no entanto, muito à margem do fenómeno do estorcimento (des)caracterizador de alguma da produção literária contemporânea, Gonçalo M. Tavares cumpre o objectivo que ele próprio, a certa altura, descreve na obra premiada: "(...) o mundo prático - que ele se sentia representar - estava naquele instante a punir os raciocínios e uma certa vida orgulhosa que julga poder existir, do princípio ao fim, sem precisar dos outros."(TAVARES, Gonçalo M., Jerusalém, Lisboa: Caminho, 2005, pág.123)